Por: Adílio Jorge Marques
Ao adentrar em sua escola, os discípulos ficavam cinco anos em total silêncio, exercitando a profunda humildade e o saber ouvir e calar. Não se admitiam questionamentos de nenhuma espécie, e qualquer violação às regras era severamente punida. Nada do que se aprendia era passível de ser comentado fora dos limites da escola. O silêncio era realmente de ouro, pois sem ele nada se conseguia. A vida sexual era proibida.
O vegetarianismo era também regra rígida entre os membros da Escola pitagórica. Um dos ensinamentos consistia na crença da reencarnação, mais particularmente na metempsicose. Esta diz que um ser humano pode vir a reencarnar como um animal, não necessariamente em outro corpo humano. Logo,
se um animal for sacrificado aos deuses (prática comum na época) ou
abatido para ser ingerido, corria-se o risco de estar matando algum
parente, amigo ou antigo membro da Fraternidade. Os sacrifícios de animais foram substituídos por bolos de farinha e mel em forma de bois, ou outros animais, e que eram oferecidos de forma ritualística nos rituais pitagóricos. Empédocles
de Agrigento (Agrigento = região da Sicília, Itália), discípulo de
Pitágoras, eminente orador, médico e poeta, seguiu posteriormente tal
prática. Interessante salientar
que dentro da perspectiva da morte dos animais poderia também haver a
idéia de não macular o organismo com alimentos considerados ruins. Além
das carnes, também os feijões, de maneira geral, não eram aceitos, pois
trariam prejuízos ao organismo, despreparando-o para os trabalhos
internos da Escola. Qualquer semelhança com algumas dietas modernas não terá sido mera coincidência ...
Fica clara a importância dada por Pitágoras à saúde, o que era constantemente enfatizado em seus ensinamentos. Era
compreendido por eles que determinados alimentos ou líquidos traziam
tipos diferentes de reações ao psiquismo, como hoje o entendemos,
interferindo de forma benéfica ou não na saúde e na mente. A harmonia celestial, sempre buscada pelo Mestre, tinha que se refletir no corpo e no espírito. O
ideal grego da beleza física, expresso na arte grega de forma
magistral, estava aqui representado de outra maneira, mais evoluída em
ideais, podemos dizer. Os esportes e as Olimpíadas gregas da Antigüidade tinham como objetivo o culto à beleza externa. Grandes
pensadores gregos surgiram mostrando em suas doutrinas que também a
moral, a ética, a mente e o espírito tinham que ser belos e trabalhados
tanto quanto o corpo. Esta é outra "coincidência" com os tempos modernos. A história realmente é sábia. Ela
se repete, mostrando aos homens que sabem ler os Livros Sagrados da
Natureza e do Homem que, enquanto não se sobrepõem determinado degrau de
aprendizado, teremos que repeti-lo até que os clichês astrais sejam
vencidos.
Outro aspecto marcante em seus ensinamentos era a crença na existência do éter, pois acreditava que tudo era animado por ele. O
éter, energia que a tudo permearia, estaria acima dos quatro princípios
(fogo, água, terra e ar) constituintes do mundo fenomênico. Isto
nos lembra a moderna teoria quântica que nos diz que tudo é energia e
que estamos constantemente mergulhados num "mar de partículas e energia
de diferentes níveis e freqüências". Importante
citar aqui o fato de que Pitágoras procurou fechar toda uma doutrina
científica, usando aqui um outro termo moderno, através de uma doutrina
mística. Um dos aspectos que
mostra sua idéia agregadora do saber é o fato dele não descartar nenhum
dos quatro elementos ou princípios citados. Ele não procurou eleger apenas um como o "criador" do mundo e dos demais, o que era senso comum entre seus antecessores. Antes
dele, Heráclito achava que a matéria vinha primeiro do princípio fogo, a
partir do qual os outros surgiam a partir de sucessivas condensações. Tales de Mileto achava que a água era o primeiro princípio de tudo, apesar de também advir do éter.
Um
aspecto importante é a concepção de música das esferas, conhecida até
hoje e que influenciou pensadores importantes até o limiar de nossa era
moderna. Diz-se que Pitágoras ouvia permanentemente o som das esferas. Talvez
este seja um indício de um estado de êxtase místico constante alcançado
pelo pensador grego após determinada etapa de sua vida. Tal fato é verificado de forma análoga na vida de muitos outros místicos. Por exemplo, São Francisco de Assis conversava com os animais, as pedras e o vento, assim como São João Evangelista. Joana D'Arc conversava com o Ser Divino que a guiou em suas batalhas contra os ingleses.
Mas
a principal questão histórica aqui reside no fato de que Pitágoras
matematizou a música no nível humano, o que levou a ser um passo
gigantesco no contexto da época. Pois
com isso ele deu impulso a uma metodologia que é a base da ciência
oficial até nossos dias: ou seja, o entendimento da Natureza pela
matemática, sendo esta reconhecidamente uma linguagem universal. A aritmética deixou de ser apenas uma técnica e passou a ser uma disciplina intelectual, filosófica. Pitágoras
reuniu as várias concepções dos números de algumas das civilizações do
passado, dando mais importância à matemática do que jamais havia sido
feito. Na Mesopotâmia a geometria era conhecida apenas como uma aplicação de números. Seu entendimento dentro de um contexto geral ficou a cargo dos pitagóricos. Em outras culturas os números tinham concepções restritas. No Egito os números eram apenas os naturais (do um em diante) e as frações unitárias. Na Grécia os números eram apenas os inteiros. Uma fração era considerada como uma relação entre inteiros, e não como uma entidade matemática própria.
Com esse entendimento dos números a sua participação na música foi determinante. Pitágoras descobriu que a altura de uma nota musical depende do comprimento da corda que a produz. Isto lhe permitiu relacionar os intervalos da escala musical com relações numéricas simples. Ou
seja, quando uma pessoa aperta uma corda de um instrumento exatamente a
meia distância de seu comprimento, uma oitava é produzida. A
oitava tem a mesma qualidade de som da nota produzida pela corda solta,
mas como vibra a duas vezes a freqüência, é ouvida a uma altura mais
alta. Com isso ele definiu uma relação matemática de 1:2 entre a nota principal e sua oitava, em termos de freqüência do som. E percebeu que eram razões entre números inteiros. Por
exemplo, se uma corda produz a nota ré, então outra corda semelhante,
mas com o dobro do comprimento, irá produzir a mesma nota - no caso aqui
o ré - numa oitava mais baixa. As
leis da acústica (que é um ramo da Física) estavam assim lançadas de
forma matemática. O conceito de vibração era finalmente compreendido. Talvez
seja possível afirmar que a Física como a vemos hoje tenha sido
inaugurada neste ponto da história através de Pitágoras, antes mesmo de
Aristóteles e suas observações da natureza.
Assim
a escala musical pôde ser estudada em variados níveis e a compreensão
da composição entre matéria e energia (ou espírito) se fazia visível aos
olhos de qualquer um. A
pretensão pitagórica de um conhecimento universal, que relacionaria a
tudo e a todos, começava a se fazer presente mais uma vez: "Assim como é em cima o é embaixo", a velha máxima de Hermes Trismegisto. Era a harmonia celeste. Os chineses falavam dela a milênios de forma teórica ou através do I Ching. Porém,
Pitágoras teve o mérito de tornar matematizado, exato, o que antes era
apenas intuitivo, o que permitia que mesmo leigos pudessem achar um
determinado resultado a partir do momento que soubessem utilizar a
fórmula correta.
Sua
contribuição foi além do seu tempo. Johannes Kepler, o grande
astrônomo, matemático e físico nascido na província alemã da Swabia,
idealizador das três leis que levam o seu nome e que ajudaram a
desvendar os movimentos planetários, sofreu influência do pensador
grego, pois também para Kepler o universo e seus astros moviam-se de
acordo com uma sinfonia divina, um mistério cósmico onde o Sol tinha que
ser o centro desse sistema para que ele fosse realmente harmônico. Os
pitagóricos, através de Filolaus (discípulo pitagórico que morreu por
volta de 390 a.
C. e que coincidentemente morou em Tebas, no Egito), haviam afirmado
que o número sagrado - a década - era o centro do universo, como um Sol
central gerador de tudo o que existia e ao redor do qual todos os corpos
celestes giravam. Isso era um sistema heliocêntrico (ou seja, centrado num Sol). Se
o Sol era a fonte e o representante do Senhor no plano astronômico, e a
harmonia celeste existia, então deveria haver uma relação entre este
Sol central e os demais corpos, e entre o nosso Sol e a própria Terra. Esta
relação mística fez de Kepler um defensor das idéias heliocêntricas de
Copérnico, que era também fundamentada na idéia pitagórica da harmonia
universal. Quase 2.000 anos
depois Copérnico admitia que sua idéia do movimento da Terra, e não do
Sol, era derivada da teoria pitagórica do movimento circular uniforme
dos planetas ao redor do fogo místico central que existiria no universo. Tais fatos foram decisivos na mudança da mentalidade científica e a conseqüente adoção do sistema heliocêntrico. E,
por conseqüência, ao libertar-se do sistema geocêntrico a sociedade
também começou a libertar-se da influência dominadora da Igreja sobre as
questões do pensamento humano e científico em geral. Todos
estes fatos tem que ser encarados como unidos, mutuamente
interferentes, para que se consiga alcançar uma idéia mais real do
momento histórico considerado.
Para
chegar em sua importante descoberta Kepler meditou sobre a relação que
poderia existir entre os sólidos geométricos e a distribuição dos
planetas ao redor do Sol. Teve
a intuição de que a relação entre as órbitas dos planetas e o Sol
poderia ser descrita por figuras geométricas regulares bidimensionais
(ou seja, num plano). O teste
com triângulos, quadrados, etc., não funcionou e ele resolveu testar com
figuras tridimensionais, o que é mais próximo do real. Os sólidos de Platão ou "pitagóricos" são limitados a cinco quando construídos a partir de figuras geométricas regulares. Para
Kepler, isto explicava o fato de existirem seis planetas conhecidos com
cinco intervalos que os separavam, como numa escala musical, apesar dos
intervalos serem bem irregulares entre si. Ele
convenceu-se de que havia descoberto uma relação geométrica entre os
diâmetros das órbitas e as distancias ao sol de cada corpo. A
partir deste estudo Kepler concluiu sua primeira lei, de que as órbitas
dos planetas é elíptica e não circular em torno do sol. E
que, para isso, a velocidade do planeta teria que ser variável, e não
fixa, o que tornou-se a sua segunda lei. Finalmente, estabeleceu uma
relação entre a distância de um planeta ao sol e o tempo que ele leva
para completar a sua órbita. Esta é a terceira lei. Todas
elas são mais do que uma descrição mecânica do sistema solar, mas a
demonstração de uma realidade harmônica, reflexo do pensamento
pitagórico.
Muitas escolas modernas de esoterismo mantém em suas doutrinas a concepção pitagórica do fogo central existente no universo. E,
mais uma vez, vemos a abrangência do conhecimento da Escola de Crotona
nos mais variados campos do saber humano, como dissemos antes. Para a maioria das antigas civilizações o sol também era a presença divina que mantinha a vida na Terra. O astro-rei era a representação de um Logos, de um Ser Maior responsável pela ligação entre o nosso universo e o Criador.
Se
para os pitagóricos "tudo era número", torna-se fácil compreender que
eles procuravam dar vida ou um sentido espiritual a cada número. As
relações matemáticas desenvolvidas por Pitágoras eram a expressão da
divindade descrita com um simbolismo particular: a Matemática, cuja essência espiritual eram os números. Podemos citar alguns para maior compreensão. O número um era o da razão e o gerador dos demais. O dois o número da opinião, o primeiro par, o feminino. O três é o primeiro com propriedades masculinas verdadeiras, o da harmonia. O quatro o da justiça ou do ajuste de contas. O cinco é o do casamento, a união entre os primeiros feminino e masculino. Seis é o número da criação (coincidentemente igual ao número de dias da criação segundo a Gêneses de Moisés). Os números ímpares eram masculinos em suas qualidades e o números pares femininos (conceito existente até na Idade Média).
O mais sagrado era o dez, o número do universo, de Deus, e que descreveria a perfeição da Criação. Era a Tetraktys sagrada. Uma forma em especial foi desenvolvida para se chegar à compreensão maior dos números: a
da adição de vários deles, seqüenciais ou não, dando como resultado
outros que demonstravam o significado mais profundo da identidade
daquilo que se queria estudar. Muito parecido com a redução matemática dos valores numéricos das letras hebraicas. Por exemplo, com a adição dos quatro primeiros números temos como resultado a Tetraktys, ou o dez Divino:
1 + 2 + 3 + 4 = 10 , onde: 1 + 0 = 1 , o retorno à Unidade.
A
Divindade também era demonstrada ou representada na forma de uma
triângulo ou pirâmide pontual, demonstrando que tudo advém do Um
primordial:
* 1
* * 2
* * 3
* * 4
A crença na mônada ou no princípio único de cada um de nós e da Natureza estava representado pela década: 10 = 1 + 0 = 1 , sendo este o número da mônada, o um gerador dos demais.
Dez era considerado também, entre os pitagóricos, o número possível de dimensões geométricas que se poderia obter. Este
número conteria a essência e a virtude de todos os números que o
precedem. Todos os números depois do dez são compostos pelos nove
primeiros. Também evidenciavam isso com a seguinte relação: a soma dos dez primeiros números mostrava o retorno à Divindade. Vejamos:
1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 = 55 = 5 + 5 = 10 = 1 + 0 = 1
Proclus,
filósofo neoplatônico do século V da nossa era, atribui a Pitágoras
outras duas importantes contribuições na matemática: a teoria das proporções e a construção dos sólidos regulares. Supõe-se
que Pitágoras tenha trazido da Mesopotâmia a primeira teoria acima
citada, pois lá esteve em contato com o conhecimento de três médias
matemáticas: aritmética, a geométrica e a harmônica.
O chamado Teorema de Pitágoras ou Pitagórico talvez seja o mais famoso de seus trabalhos numéricos. Qualquer estudante irá reconhecer a relação:
a2 = b2 + c2
Estes são também chamados de "ternos numéricos pitagóricos", onde mostra-se a relação entre o quadrado de um número e a soma de outros dois, ambos também ao quadrado, afim de que se satisfaça a igualdade. Esta é a questão principal. Tem que haver uma espécie de "ressonância" entre os dois lados da equação para que ela seja real. A união deste conceito com o do triângulo da Tetraktys levou à formulação do número triangular:
1 = 12
1 + 2 + 1 = 22
1 + 2 + 3 + 2 + 1 = 32
1 + 2 + 3 + 4 + 3 + 2 + 1 = 42 , etc..
Com isso a geometria desenvolveu-se ainda mais a partir desta proposta pitagórica. O triângulo retângulo é, ainda hoje, considerado uma de suas mais importantes contribuições ao conhecimento humano e surgiu dos pensamentos e proposições acima ligados ao plano da harmonia e do espiritual. Define-se como: "O quadrado da diagonal é proporcional à soma dos lados ao quadrado". A sua utilização até hoje nas mais variadas áreas do saber (Física, Engenharia, Matemática, Astronomia, etc.) nos fornece uma pequena amostra de sua importância. Euclides deu uma das muitas demonstrações de sua veracidade no seu Livro VI, proposição 31, o que contribuiu ainda mais para a sua popularização.
Talvez tão importante quanto propor seu Teorema foi o fato de que Pitágoras foi capaz de prova-lo. Mais
uma vez isto tem que ser ressaltado, pois todo este processo pitagórico
deu início a um método científico e matemático cuja importância era
desprezada em sua época, e que depois voltou a cair em desuso com a
ascensão da Igreja ocidental e das idéias aristotélicas no domínio
estatal. Atualmente existem centenas de demonstrações de seu teorema. Os chineses chegaram a provar a relação entre os lados do triângulo retângulo e sua hipotenusa por volta do ano 500 a. C., porém de forma independente e diversa da de Pitágoras. O conhecimento é universal e está muitas vezes disponível nos planos sutis pronto a ser demonstrado. Muitas descobertas idênticas acontecem simultaneamente em lugares totalmente diferentes.
Muito mais há a ser dito do Mestre de Samos. Sua
importância não pode ser compreendida pelo senso comum, e a
profundidade de seu espírito atravessou várias geraçõeschegando até nós
como que num aviso.
*Apoio e Referências Bibliográficas aos que se sentirem motivados a uma busca mais profunda do universo pitagórico, dentro de um contexto filosófico, científico e matemático:
1. Boyer, Carl B.; História da Matemática; 2ª edição revista por Uta C. Merzbach, com prefácio de Isaac Asimov; Editora Edgard Blucher ltda.; 1996;
2. Marcondes, Danilo; Introdução à História da Filosofia - dos Pré-Socráticos a Wittgenstein; Jorge Zahar Editor; 1997;
3. Strathern, Paul; Pitágoras e seu Teorema em 90 Minutos; Jorge Zahar Editor; 1998;
4. Henry, John; A Revolução Científica e as Origens da Ciência Moderna; Jorge Zahar Editor; 1998.
Fonte: http://adiliojorge.blogspot.com.br
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Lisa Teixeira
Junho / 2012
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