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terça-feira, 29 de novembro de 2011

INFÂNCIA PRA QUÊ ??? O IMPORTANTE É CONSUMIR


Foco na criança para criar consumidores pra vida toda.

Vi no YouTube um documentário muito bom, Consuming Kids: The Commercialization of Childhood (Crianças Consumidoras: AComercialização da Infância - tem até legenda em português!). Os dados são alarmantes e comprovam o que já vimos nodocumentário brasileiro Criança, a Alma do Negócio, sobre o mesmo tema. Nos EUA, existem 52 milhões de pessoas com menos de 12 anos. Elas consomem 40 bilhões de dólares por ano. Mas o mais importante é que elas influenciam diretamente os pais no consumo de mais de 700 bilhões de dólares por ano. Essa quantia astronômica representa o PIB dos 115 países mais pobres juntos. Um mercado gigantesco.
E, pra explorá-lo, nada como não ter nenhuma regulamentação. No final nos anos 70 houve discussões no congresso americano para ver se se bania a propaganda pra crianças. Foi testemunhado por especialistas que toda propaganda para crianças de 8 anos para baixo era enganosa, já que uma criança não tem como entender o caráter persuasivo dos comerciais. Logicamente, uma regulamentação dessas iria contra o sistema capitalista do “cada um por si”, e na crença de que todos são responsáveis pelas decisões que fazem, e que existe um deus-mercado ético que se auto-fiscaliza, sem a interferência do diabo-governo. Reagan sepultou qualquer regulamentação de qualquer coisa, com sua política de que o governo não é a solução pros problemas do mundo, e sim o problema. Antes do congresso votar contra a regulamentação, o mercado infantil crescia 4% ao ano (que já era alto). A partir dos anos 80, com a total liberdade dos publicitários para fazer o que quisessem, passou a crescer 35% ao ano. Transformers é daquela época, um símbolo de um programa que foi criado apenas para vender brinquedos. Tartarugas Ninjas é outro: o filme em si era só um pretexto, um comercial em tela grande, feito unicamente para envolver o lançamento de mais de mil produtos. E, lógico, foi Guerra nas Estrelas que começou tudo isso uns anos antes.George Lucas já disse que não é um cineasta. É um fabricante de brinquedos.
Quando uma criança vê seu brinquedo preferido falar e se mexer, cria uma conexão sentimental com esses personagens (bom, o que a propaganda faz com os adultos, associando carros com oferta de mulheres pros homens, e qualquer coisa com autodepreciação pras mulheres, também é pura chantagem emocional). A criança vai dormir com seu personagem favorito estampado nos lençóis (ou seja, literalmente dorme com ele), veste camisetas com ele, usa cadernos com ele.Suas mochilas e lancheiras seguem o mesmo padrão. Fica bem fácil colocar aquela estampa em todos os outros produtos do supermercado.
Mas só isso não basta para que os pais comprem todo e qualquer produto com aquele personagem. Então a propaganda ensina acriança a potencializar o “nagging factor”, que é a estratégia de incomodar os pais insistentemente até que eles cedam. Crianças já querem gratificação imediata. Não sabem esperar, ainda não aprenderam que o mundo não gira em torno delas. Imagina como se pode aproveitar esse potencial para vender produtos. É por isso que há tantos experts, cientistas mesmo, estudando comportamento infantil (a palavra tween, por exemplo, é uma invenção mercadológica recente), pra vender mais e melhor. E não vendem só produtos, mas também valores. Você é o que você compra. Quando nos perguntavam na nossa infância o que queríamos ser quando crescer, respondíamos com profissões. Enfermeira, professora, astronauta. Hoje a resposta padrão de uma criança americana é “rico”.
Com tantos experts se dedicando à nobre missão de vender, percebeu-se que cada criança recebe 3 mil mensagens todos os dias para consumir. O objetivo a longo prazo é que essas crianças tornem-se dependentes do consumo compulsivo para toda a vida. O desafio dos publicitários é ampliar essa exposição e fazer com que as crianças não percam um minuto sequer de comerciais. Isso inclui mandar mensagens personalizadas pelo celular e pela internet, ocupar as salas de aula das escolas (via patrocínio), fazê-las ouvir rádio no ônibus escolar.
Os especialistas logo descobriram que cada produto tem que servendido separadamente pra meninos e meninas. Logo, as meninas aprendem desde cedo que elas valem pela atração física que exercem sobre os meninos. Tem que ser bonita sempre. É o objetivoprincipal. Pros meninos, o que é vendido são valores como agressividade e violência. E a ideia que tudo isso é divertido. E evidentemente que com isso as brincadeiras sociais estão quase desaparecendo. Os brinquedos não permitem mais que as crianças imaginem. Tipo, não serve mais um graveto pra brincar de Harry Potter. Tem que ter uma varinha especial.
Os EUA são o único país industrializado do mundo sem nenhuma regulamentação. Os especialistas contra essa lavagem cerebral lutam pelos direitos das crianças e dos pais, pela liberdade de crescer sem ser bombardeado para comprar. Direitos comparáveis a direitos humanos mesmo. Mas, num sistema capitalista que põe todo o poder de escolha nos indivíduos (como se não sofressemos influência do meio em que vivemos), toda a responsabilidade é jogada em cima dos pais. São os pais que devem “proteger” os filhos desse bombardeio. Os pais que devem escolher o que comprar. Os pais que devem impor limites. Mas eu sinto que é como eu falei com o maridão antes de ver o documentário: “Nessas horas eu fico muito feliz de não ter filhos. Porque a gente não teria a menorchance de controlá-los”. E o maridão ainda quis ser bonzinho: “Ah, eu confio em você. Acho que você conseguiria”. Eu: “Não confie não. Não tem como vencer”.
Enquanto isso, no Brasil, sempre que se discutem regras mais rígidas para comerciais infantis, os publicitários e os defensores do deus-mercado gritam “Censura!”. Mas não é censura. É regulamentação. Por que não imitar a legislação de países escandinavos, que simplesmente proíbem propaganda direcionada a crianças? Pra quê copiar os americanos no que eles têm de mais problemático?

Eu escrevi este post no mês retrasado (estava agendado). Depois vi que algumas blogueiras falaram do assunto da publicidade infantil no Brasil. Há excelentes posts, entre eles os da Pérola (aqui, aqui e aqui) - que participa do concurso de blogueiras sobre maternidade (votem, please!) -, e os da Paloma (aqui e aqui). Como as duas são mães, o assunto as afeta diretamente. Participem desse debate, que é realmente importante.

http://escrevalolaescreva.blogspot.com

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Lisa Teixeira
http://muraldecristal.blogspot.com
Novembro / 2011

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